Alguma vez você se perguntou o que vai acontecer com seus arquivos digitais quando você morrer? Qual o destino de todos os seus e-mails, textos, fotos e demais arquivos espalhados pela Internet, seja na sua conta de e-mail, no Facebook ou no Instagram?
A Internet criou novas situações e trouxe dúvidas sobre como essas novas situações devem ser reguladas. Afinal, aquela biblioteca inteira de livros digitais adquiridos pelo kindle ou aquela coleção de músicas compradas por meio do Spotify será perdida com a morte de seu titular? A quem pertencerá e quem poderá usufruir de tais bens imateriais após sua morte?
A sucessão é a transmissão da herança, que consiste no conjunto de direitos e obrigações (patrimônio) transmitidos com a morte do indivíduo. O patrimônio, por sua vez, manifesta-se através dos bens pertencentes à pessoa, que podem ser corpóreos ou incorpóreos, sendo estes aqueles bens abstratos, que não possuem existência física. Com essa breve noção, podemos classificar os arquivos e dados digitais como um bem incorpóreo? Se sim, o que fazer com a herança digital do falecido?
Trata-se de uma discussão teoricamente nova, porém muito importante. A digitalização das relações sociais trouxe alguns desafios, dentre eles, a possibilidade de aplicação das normas do direito sucessório ao patrimônio digital. No entanto, ainda inexiste qualquer legislação brasileira acerca da tutela jurídica dos arquivos e dados digitais em caso de falecimento do usuário.
Diante disso, cada empresa acaba por seguir seus princípios e diretrizes internas. Algumas se posicionam quanto à negativa de desbloqueio do acesso da conta do falecido, não permitindo a transferência de dados e senhas aos herdeiros, alegando que isso implicaria na violação à intimidade e privacidade do usuário. Outras empresas, por sua vez, como a Microsoft, permitem o acesso ao conteúdo armazenado em contas de e-mail do falecido.
Alguns aplicativos, como o Facebook e O Instagram, já apresentam alternativas em seus termos de uso de procedimento específico para transformar o perfil de uma pessoa falecida em um memorial, além de permitir que parentes diretos do usuário solicitem o encerramento da conta, desde que determinados critérios sejam cumpridos.
O Gmail, por sua vez, estabelece procedimento a ser seguido caso alguém queira acessar o e-mail de uma pessoa falecida. De todo modo, como a decisão final fica sempre a critério do provedor, eventualmente pode ser necessário acionar o Poder Judiciário.
A fim de solucionar a questão, o Google criou o Gerenciador de Contas Inativas, ferramenta por meio da qual o usuário consegue estabelecer o que deve acontecer com fotos, e-mails e documentos quando parar de utilizar sua conta por determinado período de tempo. Configurando esta ferramenta (inclusive definindo a partir de quando sua conta deve ser considerada inativa), o usuário pode determinar que os dados sejam compartilhados com um amigo ou familiar ou, ainda, que sua conta seja definitivamente excluída.
Os termos de uso do iCloud vão ainda mais longe prevendo expressamente a "Não existência de Direito de Sucessão" ("No Right of Survivorship", na versão em inglês), pela qual o usuário "concorda que a sua conta é não-transferível e que quaisquer direitos à sua Apple ID ou conteúdo dentro da sua conta terminam com a sua morte. Quando da recepção de cópia de uma certidão de óbito a sua conta poderá ser terminada e todo o Conteúdo dentro da sua Conta eliminado".
Considerando que determinados bens digitais podem envolver a privacidade do falecido (i.e., mensagens eletrônicas, protegidas por senha antes de sua morte, passam a ser acessíveis aos herdeiros, após o seu falecimento) e que nem sempre é intenção deste que os herdeiros tenham acesso a tais conteúdos digitais, é importante que o titular determine por escrito sua vontade com relação ao acesso e utilização de tais bens, se possível por meio de um testamento.
Ainda que o Legislativo não tenha se posicionado efetivamente no tocante à tutela jurídica dos dados digitais em caso de falecimento do usuário, o Judiciário já se posicionou sobre o assunto. Um juiz de Minas de Gerais julgou improcedente o direito de acesso aos dados pessoais da filha falecida da autora, com base, no artigo 5º, XII, da Constituição Federal, que trata sobre o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas. Na decisão, o magistrado alegou não ser o pedido da autora legítimo, pois a intimidade de outrem não pode ser invadida para satisfação pessoal, devendo a intimidade da falecida ser preservada. (precedente nº 0023375-92.2017.8.13.0520, juiz Manoel Jorge de Matos Junior, Vara Única da Comarca de Pompeu/MG).
Primeiramente é preciso diferenciar os conteúdos dos dados digitais, separando os que envolvem a tutela da intimidade e da vida privada daqueles que não o fazem e tratam somente de serviços. Dessa forma, seria possível criar um caminho de atribuição da herança digital aos herdeiros legítimos, naquilo que não violar a intimidade e privacidade do falecido. Enfim, em caso de não haver manifestação expressa do falecido sobre o assunto, justo seria que os dados digitais que tragam conteúdo privado e íntimo da pessoa sejam enterrados junto com ela.
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